20.5.09

Capítulo 5 (O mérito da amizade)

CRIANÇAS

I

Aberto à fuga pública.

(“Petúnias são as favoritas dela.”)

Permaneces sorrindo, maravilhado.
Leve, leve, leve, leve na pronúncia, num perdão
feito de amnésia
induzida.

_“Escuta. Escuta o que tenho hoje pra dizer!
Esqueça tudo o que ouviste antes.
O outrora já silenciou aquelas palavras.”

_“E as coisas que diz agora tem validade?”

_“Sim. Em breve serão só páginas.
Mas hoje são sementes; peles; é o suor que te faço; a água que bebes; o amor que te tenho.”

_“Peça.”

_“Perdão.”

_“Eu te peço que antes apague dos teus olhos os teus erros. Que me veja agora e... sereno... entenda os meus erros em mim. Eu te peço um livro aberto, honestidade, um canto na minha linguagem, eu te peço fluência. Eu perdôo os meus erros em ti.”

Um recomeço, pronuncias...

A tua face encantada ao ver-me
após muitas vistas passageiras.
Olha-me como o único porto; sem qualquer temor; além de cúpulas e torres; com polidez maior; olha-me para além do edifício que estou por dezessete anos; da minha velha cama, do meu velho rosto; para além desses braços que te
Conforto.
Desses lábios que te
Louco.

E te deixa a minha aparência despida quando te
Biografia.

II

Sorriso leve feito um pós-guerra aos pos-vivos...
(pos-vivos? Pos-virgens? Quis dizer recomeço.)

: A vista do teu contra-luz chegando
a passos largos, a olhos nus,
pela janela.

E tu acenas!

Teu rosto avermelhado;
a permanência;
os percursos de carvalho.

III

Ruídos infantis, nos corredores de casa,
e na minha própria história, caminhavas...

“Entre, por favor.”
Tuas botas na porta,
e tua escrita na sala.

Recordo-as num lugar desses...
Num... como chamam?... amigo ausente.
Isso não existe, ausente é o sobressalto de alguém
em nós.
Não há bilhete
mais vivo do que o que leio de cór,
nem abraço mais apertado
do que aquele que fazia-nos um só homem gordo,
e nos fez suspensos
na amplidão implícita do amor.
E do momento.

E sorrio o mesmo de outrora.

O que seriam esses sons de veracidade,
teus risos, criança...
- rios de alma
e céu de olhores – o que havia de ser amar,
agora que eu te amo?

Se só agora há o que fingem haver.
O que havia de se temer, o que é maturidade?
É acumular poderes sobre os homens.
Que gosto sinto? É o de outono do ano favorito, e m arte ,
de critérios... da confiança suplicante,

de saudades. Porque é preciso que partas
pra que fiques o teu pedaço
e a tua lembrança.

E as minhas predileções.
E que teus retratos se percam,
pra que eu te invente.
E te saiba.

IV

Talvez o amor seja perder alguém amigo pela amizade,
caso seja necessária a renúncia.

Talvez sejam duas crianças.
O amor,
sejam duas.

Nós dois deitados no gelado do telhado,
com restrições:
amigos.
A conversar amabilidade…

E na felicidade,
nesse ímpeto de vida
que todos esquecemos…
Dizer “eu te espero crescer
E te impeço casamentos”.

"Essa música me traz meus primeiros metros
essas rugas remetem o meu rejuvenescimento.”
Alimentados nascemos (alimentos nos tornamos), ainda repletos,
viemos de outro peito e para outros iremos.

(Como Platão nutrindo humanidades escrevendo um banquete.)

O amor,
num talvez inocente desfecho,
seja dizer: "vamos amar?"
como quem diz:
"vamos experimentar a tinta na parede?",
e viver essa pintura da melhor forma possível.
Esse é o tempo-eixo,
o resto da vida beira a margem do círculo.

Assim que crescer... a semeadura,
e o céu diante da pequenez de nossa ossatura,
e a grandeza da nossa ave,
criançará-nos a face, a alma, apesar do surto caduco.

A irrelevância dos tempos, a inocência é o final da estrada.
Será hora de um cedo poente, um hoje mais urgente que outros.
Crianças seremos quando crescerem os céus e nossas asas
elevarem-nos ao espaço onde convive a eternidade e visitam os oráculos.

V

E... Dalva, tu que és minúcias
e desvelo,
cresceste.
Tivera idade de ser mãe e foi de si mesma.
Envelheceste.
Agora és avó e mãe três vezes
da criança que nunca deixaste morrer.

Um comentário:

  1. do contraste da fotografia a meninice que o poema fala, vai uma vida. Uma vida pensada, quase segura.

    “Escuta. Escuta o que tenho hoje pra dizer!
    Esqueça tudo o que ouviste antes.
    O outrora já silenciou aquelas palavras.”
    Escutei o que ele me disse e ao despedir-se para me acalentar a alma disse-me "sem temores, vejo voce nao importa aonde"

    Eu sorri. Deixei de ter medo.

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