5.9.09

Capítulo 8 (Palavras safra 3000 a.C.) - partes I, II, III e IV


VIII

PALAVRAS SAFRA 3000 A.C.

-

Para Marja Calafange

...Imagens incendiadas...
E SILENCIADAS.

Como se a vida inflamasse.

E filhos com lavagem cerebral.

Como se a verdade fosse herança e a palavra santa,
inquisitória.

A humildade é o livro de desenhos
de quando Buda era criança.

-  -
Diz-se por aí mais que as línguas.
Que foram eles, camponeses livres,
conhecer os livros da minha infância.

Os camponeses me invadiriam. Suas lágrimas me invadiriam.
Seus filhos me seriam filhos.

Houve um dia, vivido no escuro da consciência,
que esse camponês
leu uma verdade demasiada.
Num vigor indescritível.
Com a voz alterada indescritivelmente.
E um amor tão obscuro à luz desses nossos dias,
que me cegam.

Disse, se é que minha lembrança permite repetir,
– vivo acostumado a recriar mentiras –,
disse primeiro com a pressa nos passos:
subiu escadas num teatro opressivo,
sob olhares serpentuosos.
Eu o seguia firme até um holofote
de onde vi o rosto famoso da humanidade.

“Requer coragem dizer 
que em volta dessa espada tem um lume, 
e nessa luz, 
pessoas desenhadas, 
em lutas e em mortes. 

Requer coragem para dizer 
que temos um armário de sombras nossas, antepassados, de dor,
e nesse armário temos marcado um 6 e um 9. 
Aponta-se um cofre. 

Requer coragem para dizer 
que no cavalo tivemos peito inflado. 
E no nosso peito existia a face da vida virada pra baixo, 
de olhos cerrados e patriotismo na lei. 

Requer coragem dizer que fomos amados, amados!
E, nesse amor, 
mudamos debaixo do sangue que bebiam as tardes, 
tornando-nos arte. Não reis. 

Requer coragem dizer 
que nas paredes, 
nos muros, 
no tapete bordado de linho, 

há renegados papiros da verdade 
e a tinta que dizia que coragem 
é viver esses dias que vivo. 
Covardia é calar desse ato o braço; 
a voz; a nauta; e a história de amor e paz que há de ser escrita. 

Requer uma vida”.

Calou-se a plateia, cheia de álcool e palavras venéreas.

-  -  -

A linguagem tem a primeira palavra
nesse discurso.

– Ignore o testemunho dos homens esclarecidos 
e, ao invés disso, pensemos nos mitos e na palavra esculpida –

A linguagem é composta de toda a natureza.

Monções.
Atlântida.
Hermes nuns séculos.
E nas plantas.
Insetos.
Nas ancas,
nos beijos.
Na nuança de teu movimento.
Nas crenças.
No grito infinito de cachoeiras.

A palavra é essência.

Nas águas conduzindo uns navios.
Papiros.

Na mente migratória
de ignorâncias distantes a sapiências inerentes. 
O olhar, ruínas.
Os corações, chamas.

Guardas contigo o turbilhão de humanidade. 

Havia muito espaço para o silêncio.
E formas-pensamento.

Escondas o teu nome
na obra de tua vida. Que esta te proclame
inteiro.

Permita-te, Homem, à vigilância do ignorante;
permita-te
aos pés abertos à palavra inexplorada, egípcia,

palavra distendida da natureza;
palavra-crocodilo; serpente; a fecundação pelo vento;
a liderança da abelha; palavra; a predição do mel.

Escuta a pequena horta do verbo.
O mar de trigo
de quando digo
“Quero!”
Um escaravelho em regeneração. A íbis
que cura as suas próprias feridas.
A medicina.

Escuta,
porque o fim é certo, escuta,
a luz que desata em estradas.
A carne, o osso e os lugares
do AMOR.

“Eu te amo”.

.

O silêncio que de ti perdemos... No espaço.
Amo... 
A bondade de me enlaçar num gesto,
numa fração de milênios, 
num relâmpago em mim eterno,
que é o merecimento da tua amizade; da tua essência-carruagem
em mim: eterna viagem enamorada por tua saudade.

Que prossiga a tua presença
entre as minhas flores secas, entre as páginas violáceas que te
guardam
e absorvem a tua cor no texto. E tua flor marcada por aquelas
palavras.
Guardando a página.
Num “Eu te vejo”.
Na voz que resguarda.

“E quando fechares teus olhos, tua idade segue comigo.
Eu te levo pro futuro
Nuns versos”.

Guia; estrela d’alva.
Estrela escrita certa entre olhares tortos.

O amor é uma palavra difícil.
Se é que existe difícil; ou palavra; ou nada além de meus amigos,
Marja, nada além.

-  -  -  -  -

Os dias de hoje têm sentido, uma luz vinda dos dias futuros.
É como se caísse sobre nossas cabeças um dilúvio de partituras
de Eras que virão,
tentando dizer as verdades eternas
para raros ouvidos absolutos.

A música se espalha em silêncio.

É um som ambiente no contexto de nossas casas.

É harpa.
Planeta de regeneração e um dedilhado de akásicos.  

Porque amor é o príncipe que fugiu do palácio
para mendigar alimento aos pobres que conhecem a caridade.
E sabem escutá-lo atentamente. 

Um comentário:

  1. Leio coisas tuas
    pelo prazer de as saber belas
    saidas da ponta comida do teu lápis
    dos teus dedos
    no caderno que dorme na gaveta do canto
    e ganha vida em cada folha que enches
    .
    .
    .


    deixo agora palavras que não são minhas
    Saramago escreveu-as, e eu de tanto as repetir cravei-as nos lábios, nos sons, no peito
    .
    .

    diz ele assim:
    "É agora necessário ir ao deserto destruir a pirâmide que os faraós fizeram construir sobre o dorso dos escravos e com o suor dos escravos

    E arramar pedra a pedra porque faltam os explosivos mas sobretudo porque este trabalho deve ser feito com as nuas mãos de cada um"

    .
    .
    Boa noite, R

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